• Conheça nosso jeito de fazer contabilidade

    Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Vestibulum sit amet maximus nisl. Aliquam eu metus elit. Suspendisse euismod efficitur augue sit amet varius. Nam euismod consectetur dolor et pellentesque. Ut scelerisque auctor nisl ac lacinia. Sed dictum tincidunt nunc, et rhoncus elit

    Entenda como fazemos...

Notícia

Para especialista, governo flerta com “contabilidade criativa”

Marcos Mendes, especialista em contas públicas, cita três sinais de que a “tentação de usar práticas contábeis do passado” está de volta

O termo “contabilidade criativa” foi largamente usado em gestões do PT. Ele era empregado para definir determinadas práticas contábeis. Com elas, os gastos e a dívida pública eram elevados sem que isso se refletisse nas estatísticas, por exemplo, do déficit primário (quando as despesas superam a receita, sem considerar o pagamento dos juros da dívida).

Para Marcos Mendes, pesquisador associado da escola de negócios Insper, em São Paulo, e um dos maiores especialistas em contas públicas do país, o governo federal dá sinais de que a “tentação para entrar nessa seara está de volta”. De que forma isso estaria ocorrendo? É o que ele explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

O senhor tem falado que a tentação de usar a “contabilidade criativa” parece estar de volta? Em que casos essa prática se aplicaria?

Há duas semanas, o governo federal enviou ao Congresso uma mensagem propondo excluir do cálculo do déficit das empresas estatais o valor de R$ 5 bilhões. Esse dinheiro seria investido no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A medida foi incluída no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). E, aí, existe um problema conceitual.

Qual é o problema?

Temos o Orçamento Fiscal e da Seguridade Social para o qual todo mundo olha o tempo todo, onde é fixado o resultado primário que o governo deve realizar. E há outro orçamento que é específico das estatais, para o qual ninguém olha muito. Existe um vaso comunicante entre ambos. A Lei de Diretrizes Orçamentárias define uma meta para o déficit das estatais e outra para o Orçamento. Agora, se eu não bater a meta do déficit em um deles, posso compensar com os recursos do outro. O ponto é: quando você tira R$ 5 bilhões do déficit das estatais, pode aproveitar essa diferença para dizer que está cumprindo o déficit do Orçamento.

No que seriam usados esses R$ 5 bilhões?

Inicialmente, o governo não disse. Depois, falou que algumas empresas precisam de dinheiro para determinados investimentos e não haveria intenção de transferir recursos de um orçamento para o outro. Mas sempre fica essa possibilidade.

Qual é o outro sinal de tentação do uso da contabilidade criativa?

Existem R$ 26 bilhões parados na conta do PIS/Pasep, formada por depósitos feitos pelos empregadores. Esse dinheiro é usado para pagar o abono salarial todos os anos para quem recebe até dois salários mínimos. Ocorre que essa quantia está na conta há muito tempo e ninguém aparece para reclamá-la. Então, veio a decisão de transferi-la para o Tesouro Nacional. O problema é que esse não é o procedimento correto nesse tipo de operação. Isso segundo o padrão estatístico internacional, que é seguido pelo Banco Central (BC).

Qual seria o procedimento correto?

Essa é uma mudança patrimonial, feita de uma só vez. Não representa um esforço fiscal. O governo não aumentou a arrecadação para conseguir esse dinheiro. Assim, ele deveria ser registrado na contabilidade como um ajuste patrimonial. O valor pode servir para abater a dívida púbica, mas não deve entrar como receita primária para o cálculo do déficit.

E entrou como receita?

Na PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da Transição, aprovada no fim do ano passado, colocaram que esse dinheiro seria transferido para o Tesouro e deveria ser registrado como receita primária. Ou seja, incluíram na lei umadeterminação para descumprir uma regra técnica contábil internacionalmente aceita. E isso já está acontecendo.

Qual a consequência dessa interpretação?

Vamos chegar no fim do ano e o Banco Central vai seguir a regra internacional. Assim, provavelmente, apresentará um déficit R$ 26 bilhões maior que o do Tesouro que, em um dos seus relatórios, já fez um alerta sobre o fato de o BC ter um entendimento diferente sobre essa questão. Por isso, a estimativa oficial para o déficit de 2023, atualmente em R$ 145 bilhões, é, na verdade, de R$ 171 bilhões.

Há outro sinal de contabilidade criativa?

Um terceiro sinal está relacionado aos precatórios (quantia que, por decisão judicial, deve ser recebida de um ente público). O governo sempre pagou esses valores até que, em 2021, o ex-ministro da Economia Paulo Guedes disse que essas despesas estavam aumentado muito. Foram aprovadas duas PECs (113 e 114). Em linhas gerais, elas determinaram que essa dívida só seria paga em 2027, também lançando mão de “criatividade”. O fato é que se criou uma bola de neve, acumulando precatórios não pagos. Agora, o governo quer pegar esse estoque de precatórios e dizer que isso é dívida púbica. Assim, não seria despesa primária. Ela passaria a ser uma despesa financeira. É uma tecnicidade, mas, na prática, com essa interpretação, não vai afetar o déficit público.

Isso pode?

Mais uma vez, olhando para o manual de estatísticas fiscais do Banco Central, não é assim que a banda toca. Muitos precatórios são, originalmente, despesas primarias. No limite, com esse tipo de medida, o governo pode empurrar suas despesas com a barriga, deixar todo ano um monte de restos a pagar, e dizer que isso virou despesa financeira. Isso transformaria a contabilidade pública numa bagunça.

Em que pé está essa possibilidade de transformação da dívida em despesa financeira?

Parece que nem sequer existe consenso no governo sobre essa mudança e o Ministério do Planejamento iria propor outra coisa, pagando os precatórios como despesa primária e não financeira. Reclassificar a natureza de uma despesa para obter resultado primário é uma coisa bem grave. É uma manobra muito perigosa.

Quão expressivos são os valores desses três pontos que o senhor mencionou (estatais, PIS/Pasep e precatórios) para a mudança do valor do déficit?

O problema não é o valor, mas, sim, a demonstração de uma tendência do governo a ser receptivo a manobras contábeis, à contabilidade criativa. Tirar R$ 5 bilhões do déficit das estatais não é uma quantia tão expressiva, mas abre um precedente. Transformar precatório devido em despesa financeira não é uma questão que afeta apenas a meta de déficit deste ano. Ela mostra a predisposição de usar mecanismos similares aos que governos do PT já usou no passado. Eles distorcem a contabilidade pública e tiram credibilidade da política fiscal. Fazem com que fiquemos sem bússola.

O senhor se refere a quais práticas do passado?

Foram várias. Elas começaram por volta de 2009 (segundo mandato do presidente Lula) e foram até 2014 (segundo mandato da presidente Dilma Rousseff). Despesas públicas também são quitadas por bancos públicos. O Bolsa Família é pago pela Caixa, por exemplo. O que o governo fazia era deixar o banco realizar esses desembolsos para depois enviar o dinheiro. Com isso, empurrava o déficit dois ou três meses para frente. Quando precisava de recursos para fechar o déficit, vendia a um banco público os royalties antecipados de Itaipu. Títulos públicos também eram emprestados ao BNDES para que ele gastasse por fora do Orçamento. Vender o direito de exploração de petróleo à Petrobras, na cessão onerosa, também rendeu aumento do resultado primário. Esses foram alguns casos.