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Notícia

Receita aplica multas de até R$ 10 milhões em 'guerra' contra artistas da Globo

"A discussão travada pela Receita é que o artista estaria usando uma empresa (pessoa jurídica) para economizar o imposto de renda de 27,5%. Mas as empresas dos atores ofereceram à tributação de todas as suas receitas: pagaram PIS, Cofins, Imposto de Renda Pessoa Jurídica e contribuição sobre o lucro, ISS que, juntos, podem chegar a 20%.

"A discussão travada pela Receita é que o artista estaria usando uma empresa (pessoa jurídica) para economizar o imposto de renda de 27,5%. Mas as empresas dos atores ofereceram à tributação de todas as suas receitas: pagaram PIS, Cofins, Imposto de Renda Pessoa Jurídica e contribuição sobre o lucro, ISS que, juntos, podem chegar a 20%. Então, com todo o respeito à Receita Federal, entendemos que todos os tributos devidos já foram pagos na pessoa jurídica (leia-se, empresa). Cobrar tudo de novo na [pessoa] física é estar cobrando duas vezes pelo mesmo serviço", aponta o tributarista.

A defesa dos artistas entrou com um recurso administrativo na própria Receita Federal. Durante esse processo, não existe a necessidade do pagamento das multas aplicadas. Em alguns casos, os valores ultrapassam R$ 10 milhões.

"Se esse ator teve uma participação nos resultados (lucros) da sua empresa de R$ 150 mil por mês nos últimos seis anos, o cálculo bate: a Receita Federal cobra o imposto de renda de 27,5% (mensal), acrescido de uma multa de 150%, mais o juro Selic. Parece-me um exemplo clássico de confisco tributário, pois tudo aquilo que o artista recebeu está sendo cobrado de volta (27,5% + 150% de multa + juros)", explica Antonelli.

Nessas ações, a Receita tenta condenar a "pejotização", relação de trabalho que o próprio órgão do governo federal reconhece como "comum". Pela lei brasileira, "os serviços intelectuais, de natureza artística ou cultural, em caráter personalíssimo, sujeitam-se ao regime de tributação de pessoas jurídicas".

Também são investigados autores, diretores e jornalistas. Em abril, o colunista Ricardo Feltrin, do UOL, antecipou com exclusividade que o âncora William Bonner e outros 20 profissionais que prestam serviços para a Globo foram atuados. A líder de audiência é o principal alvo da operação contra a "pejotização", que também já atingiu jornalistas de Record, SBT e CNN Brasil.

O tributarista Leonardo Antonelli classifica o entendimento da Receita Federal em relação aos contratos PJ como equivocados:

Sob a ótica da fiscalização, o contribuinte, seja ele ator, autor, diretor ou até mesmo jornalista, não poderia se valer de uma pessoa jurídica para prestar serviços. Essa visão, como dito equivocada, desconsiderada que a lei autoriza a prestação de serviços artísticos, culturais e intelectuais, através de empresa
(leia-se, pessoa jurídica). É um retrocesso tributário se compararmos aos outros países, especialmente os Estados Unidos, onde a reforma tributária implementada pelo Donald Trump (Tax Act) fixou uma tributação uniforme para todas as empresas (flat rate), incentivando a pejotização e formalização.

A defesa mantém sob sigilo os nomes de quem já recebeu as notificações de pagamento, mas na lista de investigados estão celebridades como Deborah Secco, Reynaldo Gianecchini, Malvino Salvador e Maria Fernanda Cândido.

Receita Federal x Globo

Nas autuações enviadas aos artistas da Globo, a Receita Federal afirma que há um conluio "propositado e previamente planejado para fim da prática de uma ilicitude". Insinua existir uma associação criminosa constituída para "lesar toda a sociedade", concluindo que a pejotização "precariza as relações de trabalho e humanas, degrada o ambiente laboral, enfraquece direitos trabalhistas e a própria dignidade da pessoa humana".

A Receita encaminhou as investigações ao Ministério Público Federal, sob a alegação de crimes contra a ordem financeira. "Não bastasse o artista ser obrigado a devolver mais do que recebeu nos últimos cinco anos, ainda poderá ser processado criminalmente e quiçá condenado à prisão. Parece uma novela mexicana de ficção", lamenta Antonelli, que classifica a ação como um exemplo de "insegurança jurídica" do país.

A Globo, que nos últimos anos passou a trocar contratos de jornalistas, executivos e apresentadores de PJ para CLT, diz que os seus acordos são legais e que todos os impostos são pagos.

"Todas as formas de contratação praticadas pela Globo estão dentro da lei, e todos os impostos incidentes são pagos regularmente. Assim como qualquer empresa, a Globo e as empresas que lhe prestam serviços são passíveis de fiscalizações, tendo garantido por lei também o direito de questionar, em sua defesa, possíveis cobranças indevidas do fisco", sustenta a emissora, em nota.

Em agosto do ano passado, a Receita Federal explicou à reportagem que fiscaliza a chamada "pejotização" em inúmeros setores econômicos, mas que não poderia detalhar as ações em razão do sigilo fiscal.

Pejotização

Para ter um vínculo como PJ, o profissional abre uma empresa em seu nome, e essa passa a prestar serviço para a contratante. Ao contrário do regime com carteira assinada, esse modelo não dá direito a benefícios como férias remuneradas, 13º salário, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), seguro do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e seguro-desemprego.

No caso de artistas e alguns jornalistas, a vantagem de ser contratado como uma "empresa" é a possibilidade de vincular ao contrato ganhos com publicidade e merchandising, que são devidamente declarados.

"Tanto um ator quanto um atleta pode ceder o seu direito de imagem através de sua pessoa jurídica. Os chamados globais, assim como muitos atletas, são verdadeiras máquinas de cessão de imagem. Outros, produzem, atuam em teatros e mídias diversas. Vejam o sucesso da Giovanna Ewbank nas mídias sociais. A sua receita [fora da emissora] é maior do que a maioria dos atores. Tolher isso vai contra a simplificação de uma atividade que transcende a mídia
televisiva. Hoje prevalece o artista multimídia", defende Antonelli.

A pessoa física é taxada em até 27,5% do Imposto de Renda, além do INSS. E a jurídica recolhe, ao todo, de 6% a 16%, dependendo da atividade e do faturamento. O advogado tributarista destaca que, apesar da taxação sobre a renda ser inferior, o contratado como PJ não tem os benefícios trabalhistas e ainda arca com outros impostos empresariais para a União, que já foram pagos ao longo dos anos.